quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Blues e lembranças

É sempre a cadência deste blues
Que me traz a lembrança dela.
Chega, e me toma inteiro
E me mata para ressuscitar-se
E tudo o mais se extingue.
Fecham-se os meus olhos, ela dança
Danço com ela, o paraíso é aqui
Ela está aqui, e o blues
É a minha pequena eternidade.



Francisco Cleóbulo Teixeira

O nome deste Blog

Apenas a título de breve esclarecimento, a denominação deste blog se deve ao poema “O Corvo” (The Raven), de Edgar Allan Poe. Uma das mais belas composições literárias de todos os tempos e em todos os idiomas, O Corvo representa um desses momentos únicos da criação artística, semelhante ao momento em que Bethoven compôs a sua Nona Sinfonia.

Francisco Cleóbulo Teixeira

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Anjo e Meretriz

“O Post anterior é uma espécie de justificativa deste poema.
Recomendo as duas leituras.”
Carinha de anjo, conduta dissimulada
E te supões séria, honesta?
As profissionais de esquina são honestas!
Deitas com quem te abre caminhos
E pagas a quem te fornece suposto amor.
Nos templos do Capital, os falsos sorrisos
Nunca te dignificam, mas te corroem a alma.
Dormes com muitos, mas o prazer te é escasso
Sempre. Com a vergonha pós-coito
Sobra-te o vazio, a dor. E na noite solitária
Quão baixa é a tua auto-estima.
Inda sonhas com um príncipe ser feliz
Mas não és princesa, és meretriz
E o Amor, ah, o tão almejado Amor!
Este envelhecerá contigo, só como sonho.

Francisco Cleóbulo Teixeira

Caríssimos leitores e leitoras...

O Post que se segue a este é um poema recente, no qual tento abordar um problema que vemos crescer dia a dia em nosso país: em todas as capitais e grandes cidades brasileiras, mulheres ainda jovens e solteiras entram num mercado de trabalho no qual predomina políticas neoliberais, consumismo exacerbado e machismo absoluto.
Nas grandes corporações (bancos, cadeias de lojas, redes de shoppings, fábricas, etc.), muitas destas mulheres são sexualmente assediadas por homens geralmente casados e que detém cargos de poder (gerentes, chefes de departamento, supervisores, etc.). Algumas resistem corajosamente ao assédio, redobram seus esforços e conquistam um lugar ao sol por seus próprios méritos; outras, levadas pela extrema necessidade, acabam se submetendo. Outras, porém, escolhem o caminho mais fácil: são as que procuram espontaneamente os homens de poder e a eles se submetem sexualmente em busca de ascensão profissional, que pode vir na forma de comissões, promoções, facilidades outras, etc.
Sem nenhum falso moralismo, considero este terceiro caso algo bem pior que a prostituição. Os homens em questão, gerentes ou chefes ou seja lá o que, irão comentar, contar vantagens em mesas de bar junto aos seus pares. Na melhor das hipóteses, alguns deles irão negar com um sorrisinho malicioso, que é uma forma cínica de confirmar. Típico do machismo brasileiro, este é o jeito mais “eficaz” de reafirmar seu “poder”, sua “competência”. Em pouco tempo, toda a população masculina do ambiente de trabalho fica sabendo. A grande maioria se deleita em tecer comentários picantes. E muitos passam a vê-la como "disponível" para eles também, por que não?
É quando a mulher desce ao seu ponto mais baixo em termos de dignidade, de moralidade e de auto-estima. Foi pensando nestas mulheres que fiz o poema a seguir.

domingo, 9 de janeiro de 2011

Terceiro milênio

Fronteiras e bandeiras
São outras agora porque
A música é outra e outra é a dança.
A procriação cede lugar
À clonagem de almas
Pois o homem faz o homem
À sua própria imagem e semelhança.
Não há mais chefes de estado
Já que Estados não há mais
Nem de Direito nem de graça, portanto
Ficam nos tronos
Os moleques de recado.
Resta saber que ventos
E que marés levam, e para onde
A imensa nau dos excluídos.



Francisco Cleóbulo Teixeira

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

O duelo

I

Houve um tempo em que eu achava que os caras os quais estava matando eram todos piores do que eu, portanto, mereciam morrer como baratas, esmagados sem contemplação. Hoje, continuo matando e achando que eles merecem; porém não mais me iludo quanto a ser melhor ou pior, já que mato quase sempre por dinheiro. Deverei morrer da mesma forma que eles, executado em algum beco escuro, terreno baldio ou algo semelhante. Igualzinho ao sujeito que matei anteontem.
Eram mais de duas horas da manhã, eu estava chegando nas proximidades do novo hotel onde me achava hospedado (a terceira mudança no período de duas semanas!). Havia um beco escuro ali (não tão escuro então, já que era lua cheia, como agora), perto do qual, sempre tinha que passar perscrutando o seu interior: aquele era um bom lugar e aquela era uma boa hora para um assalto. Se saísse um cara dali com uma arma, eu me faria de frouxo, apavorado, para depois dominá-lo e desarmá-lo quando ele estivesse no ponto mais alto de sua autoconfiança. Se fossem dois e não estivessem drogados, acho que o truque ainda funcionaria a contento, apesar de exigir maior esforço. Mas se saíssem dali três caras armados e, ainda por cima, chapados...
Meus pensamentos foram bruscamente interrompidos quando levei um forte empurrão pelas costas em direção ao beco. Fui praticamente arremessado beco a dentro e me vi correndo involuntariamente até quase a parede extrema. Foi então que me agachei rapidamente em busca da pequena 22, a qual sempre levava num coldre pouco acima do sapato. Quando não tinha nenhum “serviço” em vista, andava somente com aquela armazinha que parecia um brinquedo, para evitar problemas com a polícia durante o dia. Que eu saiba, nenhum policial dá uma busca de arma tão minuciosa em um cidadão insuspeito em plena luz do dia. Mas se um dia acontecesse e um deles chegasse até meu sapato, eu faria cara de panaca constrangido, diria que a usava porque já fora assaltado três vezes, diria que não tinha porte de armas(eu tenho, mas devo mostrá-lo o menos possível), diria quase choramingando que não queria problemas com a lei. Puxaria do bolso a minha carteira, e isso o comoveria mais que tudo. Daria a ele algum trocado razoável e... claro, a arma! Isto o convenceria em definitivo porque eles adoram ficar com as armas quando o otário não tem porte. Depois a vendem a outros otários também sem porte.
Mas deixando as conjecturas de lado e voltando ao beco, eu já estava quase empunhando a 22 quando levei um tremendo chute na mão. A armazinha voou, caiu atrás de umas latas e sacos de lixo. Estava perdida e eu também fiquei meio perdido logo que vi a baita faca de dois gumes que o cara empunhava, bem na minha frente. Instintivamente, firmei os pés separados e esperei o ataque.
A faca sibilou descrevendo um arco, como se ele quisesse cortar a própria noite antes de cortar a minha carne. O próximo golpe, em sentido contrário, tinha como endereço certo a minha garganta. Contorci-me para trás, acertando-lhe o braço com o pé direito. Foi um golpe seco, rápido e bem aplicado, porém a faca não caiu. O filho-da-puta continuava a empunhá-la com firmeza, e agora tinha na cara um sorriso quase imperceptível facialmente, quase inaudível, mas um sorriso sarcástico. Sorria para dentro, para si, o brilho daqueles olhos me dizendo que ele já havia matado antes, e tinha adorado fazê-lo. Era um puto dum carniceiro profissional, o que significava o seguinte: só um de nós dois sairia vivo dali, e não era comigo que estava a faca.

II

Lembrei-me, em um lampejo, da última informação que ouvira de Panqueca, informante da polícia civil e informante meu também. Panqueca havia me dito, praticamente sussurrando ao telefone, que os homens já sabiam de mim e estavam bastante empenhados em me pegar. Segundo ele, haviam colocado um cão de caça para me rastrear. Panqueca o havia descrito como um ex-policial civil expulso da corporação, com três crimes de morte amplamente comprovados e fortes suspeitas sobre mais seis outros. Apesar de estar “foragido”, mantinha estreitos contatos junto a alguns setores da corporação. A princípio, achei que fosse conversa fiada, para justificar os pagamentos que eu lhe fazia; pois de que jeito eles podiam saber de mim, se nem o próprio Panqueca me conhecia pessoalmente? Pagava-o através de uma conta bancária que havia aberto para ele, depósitos feitos por mim on line e em dias incertos, comunicando-o por telefone somente após fazê-los. Aliás, só nos comunicávamos por telefone e eu sempre ligava de telefones públicos. Panqueca não era muito esperto, apesar de ser um excelente informante.
Mas ele não estava mentindo, a prova estava ali, em carne e osso. Os homens haviam me detectado e colocado no meu rastro o melhor cão de caça de que dispunham. O sujeito tentou mais um golpe, esticando o braço feito um aríete rumo ao meu estômago. Eu havia recebido um bom treinamento para me esquivar de facas, mas ele era um mestre no uso delas. Vez por outra, eu arriscava um golpe com as mãos ou com os pés: uma rasteira, dois diretos seguidos de esquerda, até um forte cruzado de direita. Logo descobri que aquilo parecia mais ou menos inútil. O tipo era mais baixo do que eu, mais lento com as pernas, porém bastante atarracado, dono de uma estupenda massa muscular. Bater nele era o mesmo que bater numa rocha.


O pior aconteceu logo a seguir: tentei um golpe usando a quina interna da mão esquerda no seu pescoço, e acertei... ao mesmo tempo em que a faca dele passou pelo meu antebraço. A faca não cortou, ela abriu as carnes no meu braço. Não pude conter o grito e em meio à dor lancinante, ainda me peguei imaginando em que inferno ele amolava aquela coisa. Fiquei alguns segundos meio encurvado, segurando o braço ferido. Ele teria facilmente me matado naquele momento, se não tivesse sentido o meu golpe. Estava também atordoado e massageava o pescoço, onde havia levado a porrada. O saco e o pescoço deviam ser os únicos pontos fracos num adversário com tanta massa muscular. Mas o sacana logo se recompôs, voltando à carga.
A partir daí, veio uma sequência de golpes e esquivas, com ele jogando a faca nos mais diversos ângulos: de baixo para cima, nas diagonais, de cima para baixo, na horizontal, para depois repetir toda a sequência. Eu me safava como podia, o braço ferido agora pesando uma tonelada. Aquela situação me fez lembrar de um enxadrista russo, um grande mestre de nome Tigran Petrossian, o qual era insuperável no jogo defensivo. Ele usava aquela habilidade para levar o maior número possível de partidas do match ao empate. O resultado de tal estratégia era que, em algum momento, o adversário se irritava, se arriscava em um lance mais ousado e fatalmente cometia um erro. Era aí que o Petrossian ganhava o match.






Na nossa situação atual, com as posições invertidas, o sujeito repetia suas sequências de golpes enquanto eu me esquivava procurando não cometer erros. Mas meu braço esquerdo sangrava adoidado, e isto era pior que qualquer erro. Sangrando daquele jeito, não teria muito tempo até diminuírem os meus reflexos e começarem as tonteiras. O homem da faca contava claramente com isto, pois de vez em quando olhava rápida e furtivamente para o meu braço, provavelmente considerando-o um pedaço já morto de mim. Ele sabia que o tempo estava do seu lado, tendo apenas que esticar este tempo. Foi então que a idéia explodiu na minha cabeça. Eu precisaria mesclar um truque com uma rápida ação de judô, num lance decisivo onde as probabilidades de falha eram muito maiores do que as de êxito. A falha seria a minha morte.
Emitindo um grito que simulava desespero, joguei o braço direito com a quina interna da mão em direção ao seu pescoço. Ele ergueu o braço esquerdo para se proteger, pois já conhecia e temia aquele golpe; mas também arremeteu a faca com a outra mão em um arco aberto rumo ao meu tórax, como eu esperava. Sem um décimo de segundo a perder, girei o braço sob o dele, desviando rapidamente a tragetória do meu golpe. Dobrei a quina da mão para baixo e atingi-o na parte interna do cotovelo direito, fazendo-o dobrar involuntariamente o semi-arco que o sacana já havia iniciado com a faca e que deveria atingir em cheio o meu flanco esquerdo. É agora! - pensei. Juntei toda a força que ainda me restava no braço ferido, levantei-o em meio a um grito que, agora sim, era de desespero e dor. Fechei a mão esquerda em torno do seu punho, o qual junto com a faca rumaram direta e velozmente para onde estavam então direcionados: para o peito esquerdo dele. A faca entrou até o cabo. Era de dois gumes, abria caminho fácil, sem contar que a minha força se somara à dele próprio.


III


O barulho da faca penetrando confundiu-se com os meus arquejos de cansaço, então recuei de costas contra a parede para não cair. Segurei meu braço ferozmente acima do corte, como se quisesse fazer um torniquete com a mão; tentei olhar para o homem, mas meus olhos estavam marejados de suor que ardia e cegava. Pisquei os olhos, joguei a cabeça de um lado para outro, como fazem os cães quando alguém joga água neles. Então, olhei para o homem da faca e ele estava ali, ainda de pé. “Já matou demais, cara. Agora é a tua vez.” Eu apenas pensei isto, não falei, porque estava cansado demais, baqueado demais até pra falar; e também porque não há nada para se dizer a um cara que você mata num beco escuro, sem nem sequer um cachorro vira-lata como platéia. No cinema eles sempre dizem alguma coisa, porque tem platéia. Mas neste submundo real em que vivo, o crime é uma arte silenciosa por excelência.
Ele tinha as duas mãos no peito, uma em torno do cabo da faca. Olhava atônito para mim, que por minha vez olhava atônito para o grande corte no meu braço. Daquele beco, só sairia incólume o aço frio da faca. O homem chegou a menear a cabeça de incredulidade, mas ainda não havia medo. O medo só veio quando lhe faltaram as pernas e ele começou a desmoronar. Aí todo o medo de sua vida estampou-se naquele rosto outrora pétreo, mas que agora desmoronava também. Aquele homem tinha medo de morrer, sim, só que descobriu isto tarde demais. Ainda teve alguns minutos para pensar. Muito pouco tempo para tão grande torrente de pensamentos.


Francisco Cleóbulo Teixeira

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

O títere

O burguês sorri para o espelho
- primeiro burocrata do dia -
Confere os dentes, cabelos, hálito
E vai.
Os barulhos do mundo, a mesma música
Do mesmo velho realejo
Mas, sem crianças por perto.
Curva-se ante o relógio, outro senhor
Deste escravo de tantos senhores.
Há às vezes outra música no ar
Mas não há por que ouvir
Para não precisar olhar, porque
Não é criança, tem medo
Do medo que o tem
Que lhe segura os cordões
Movimenta-o e o faz dançar
E depois, guarda-o na caixa
Até amanhã.






Francisco Cleóbulo Teixeira