quinta-feira, 2 de junho de 2011

Atlântico e Pacífico

Vastos, os oceanos não são

Azuis.

Eles são estes teus olhos

Verdes.



Francisco Cleóbulo Teixeira

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Amor de mármore

Em pedra ou em mármore
Eu te esculpo
A meu bel-prazer.

Te faço perfeita
Ingênua, pura
E sem graça.

Apago teu jeito
Te boto defeitos
Me fazes sofrer.

Me fazes amar
Intensamente
Enfim, odiar.

Te obrigo a trair-me
Pretexto
Para te humilhar.

Tu choras pedindo
Pedaços de amor
Aos meus pés.

Sorrimos num beijo
Eu, estátua
Tu, escultora.


Francisco Cleóbulo Teixeira

terça-feira, 17 de maio de 2011

O seqüestro

Olhei para o banco de trás do carro, enquanto os faróis cortavam a escuridão da estrada. O homem gemia baixinho, meio inconsciente, meio atordoado, acordando aos poucos. Estava bem amarrado, bem amordaçado e provavelmente com uma baita dor de cabeça, efeito do éter que cheirou na marra. Tinha sido muito fácil até ali. Um cara importante como esse, andando por aí sem nenhum guarda-costas...
O representante do consórcio que estava me pagando tinha deixado bem claro o seguinte: todos os consorciados, sem exceção, queriam que eu o fizesse sofrer o máximo possível. Essas pessoas eram vítimas diretas ou indiretas (havia até caso de suicídio) da atuação empresarial deste indivíduo nos últimos anos.
Não me agradava tal tipo de exigência, uma vez que a principal característica do meu modus operandi é uma ação rápida e limpa, sem possibilidades de deixar rastros. Mas o representante foi categórico, disse-me que todos queriam até uma fita gravada com os gritos de agonia do sujeito! Pra enfatizar mais este ponto, colocou no telefone uma das vítimas, a viúva de um suicida, que me suplicou aos prantos: “Moço, não sei quem você é, mas por tudo quanto lhe é sagrado, faça aquele cachorro sofrer! Corte fora o saco dele, queime os olhos dele, faça...” e não conseguiu mais falar, a voz embargada pela emoção e o choro.
Havia mais nove pessoas do consórcio com igual ou maior rancor. Certamente, o cara tinha feito um estrago do diabo na vida dessas pessoas; tudo em nome de uma tal de Qualidade Total, que, segundo o representante, era a expressão e o pretexto mais utilizado pelo sacana ultimamente. É sempre um punhado de sujeitos assim quem decide os destinos dos outros, da maioria, agindo como se não soubessem que, em se tratando de gente, não existe essa porra de Qualidade Total. De tempos em tempos aparece uma onda, um modismo invariavelmente criado com o intuito de dar suporte aos instintos predadores dessa corja. Atualmente, é Neoliberalismo pra lá, Qualidade Total pra cá, e blá-blá-blá, etc. Bem, eu não sigo nenhuma onda, nenhum modismo; não sou nenhum executivo moderno, sou um antiquado executor, um predador de predadores. Decidi aceitar o serviço, mas dobrei o preço por conta das exigências.




Ele já estava todo acordado quando dobrei à esquerda, pegando uma estrada velha de terra batida que levava ao armazém. Naquele armazém não poderia haver ninguém àquela hora, já havia checado isso ene vezes. Mas se tivesse alguém lá, azar dele por estar no lugar errado e na hora errada: eu faria o serviço do mesmo jeito, apenas com algumas adaptações circunstanciais.
Chegamos, deixei o homem no carro e fui dar uma última checada no local. Além da lâmpada a gás, havia trazido uma enorme lanterna. Tudo limpo. Voltei para o carro, arrastei o cara para dentro do armazém, acendi a lâmpada a gás e dei inicio aos trabalhos.
Tirei-lhe a mordaça, ele desandou a falar atropeladamente, gaguejando uma pergunta atrás da outra, aí eu liguei o pequeno gravador. Era um tipo magro, de meia idade, óculos de grau, estatura em torno de 1,75m, barba rala em um rosto comprido e os cabelos já meio grisalhos. Ele estava certo de que aquilo era um seqüestro. Logo que o coloquei a par da real situação, começou a tremer e a mudar de cor. Tirei do bolso o papel com os nomes dos consorciados, peguei o revólver e mostrei-lhe o tambor, para ele ver que só havia uma bala. O jogo consistia numa variante da velha roleta russa: eu lia um nome do papel, girava o tambor e puxava o gatilho.
Clic! O homem se desmanchava de medo, chorava feito uma menina, suplicava, se contorcia no chão. O pequeno gravador era desligado quando eu falava, já que só interessava a voz dele e outros sons por ele produzidos. A cada vez que apertava o gatilho eu fazia uma pausa, só pra aumentar o suspense. No terceiro clic, o cara se mijou. A propósito, a bala também seria um clic, pois não era uma bala de verdade, não era sequer uma bala de festim. Mas isso ele não sabia. Após o sétimo clic, fui forçado a recuar dois passos: ele tinha esvaziado os intestinos. O homem era tão frouxo quanto qualquer outro numa situação dessas, mas não tinha problema de coração. Se fosse cardíaco já teria pifado. Aquele não era um jogo para cardíacos.
Depois do décimo e último clic, parabenizei-o pela sorte que tinha, mas fui logo avisando que iria repetir todo o processo. É que precisávamos descobrir qual daqueles nomes na lista iria alojar-lhe uma bala na cabeça. Foi então que ele, juntando um resto de coragem, perguntou-me quanto eu estava ganhando pra fazer aquilo. Não lhe falei quanto, e ele me fez uma contraproposta que seria quase o dobro do meu pagamento. Guardei o revólver, disse-lhe que não poderia aceitar, mas que iria acabar logo com o seu sofrimento.


Saquei da pistola com um silenciador que eu mesmo tinha feito com uma garrafa de plástico, mirando-lhe a cabeça bem entre os olhos. Ele rapidamente dobrou a contraproposta, ofereceu outras garantias, jurou pela alma da mãe que não procuraria a polícia depois. Olhei bem nos olhos dele, simulei uma expressão de dúvida, de indecisão. O homem animou-se. Achou que, com sua infalível lábia de executivo bem-sucedido, estava novamente assumindo o controle, conforme lhe era natural. Iniciou uma verdadeira pregação: que um homem como ele não podia ser morto assim; que pessoas do porte dele eram muito importantes para a conjuntura econômica do país; que todo homem tem um preço e ele sabia qual era o meu; que aqueles com quem eu havia contratado eram uns fracos, eram ralé, podiam ser excluídos sem problemas; finalmente, que eu e ele éramos feitos da mesma matéria.
Balancei afirmativamente a cabeça, aparentando concordar com toda aquela baboseira. Ele sorriu cheio de esperanças. Comecei a baixar a arma. Os olhos dele se iluminaram de confiança. Daquela distância, nem precisei fazer mira para o joelho dele. Puxei o gatilho. O silenciador provocou um estampido seco e surdo, inaudível a média distância, mas os berros dele logo encheram o armazém. O desgraçado rolou pelo chão, todo enroscado em torno da perna arrebentada, berrando feito um animal recém-castrado. Olhava para mim com uma expressão que era uma mistura de pavor com incredulidade. Será que um sujeito tão esperto quanto aquele ainda não sabia da existência de tipos iguais a mim andando por aí? Desejei sinceramente prolongar aquilo, mas os gritos poderiam ser ouvidos e eu não queria correr maiores riscos. O odor desagradável era agora de uma mistura de sangue, urina e merda. Aproximei-me, disparei na boca. A bala deve ter atravessado, levando um monte de dentes e qualquer coisa mais que encontrou pela frente, porém não me detive para verificar. Os berros se transformaram em gorgolejos e outros barulhos desagradáveis. O terceiro tiro, na têmpora esquerda, acabou sendo um tiro de misericórdia. Embora eu nem saiba o que é isso.
Após sair dali, disquei de um telefone público para a residência do cara. Quando a pessoa atendeu, deixei bem claro que se tratava de um seqüestro. Usando gíria de mistura com um péssimo português, avisei que não procurassem a polícia se ainda quisessem ver o homem vivo, e que “a gente” ia ligar oito horas depois pra falar sobre o resgate.
Era só pra retardar as buscas e confundir a polícia.


Francisco Cleóbulo Teixeira

sábado, 14 de maio de 2011

Sangue na terra

Quando se sangra o homem
A terra, com ele, é sangrada
Mas o sangue derramado não fertiliza
Porque só é vida quando corre
Nas veias
Quando corre nas veias.
O sangue derramado
Na terra, nada semeia.
É semente estéril
É alimento do ódio
Do qual depois se alimenta
E o alimenta
E se alimenta
E o alimenta
E se alimenta...



Francisco Cleóbulo Teixeira

terça-feira, 3 de maio de 2011

Uma jangada

A vida é uma jangada
A jangada é uma vida
Que navega os caminhos do mar
Que navega um mar de caminhos
Em busca de alimentos
Em busca de emoções
Navega durante a noite
Navega por entre as sombras
Porque a noite é discreta
Porque as sombras escondem
Dos olhos frios da luz
A mesquinhez dos sonhos
De quem não faz outra coisa
Que não seja navegar.


Francisco Cleóbulo Teixeira

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Síndrome

Não te enganes, amigo
É cheiro de morte, sim.
Pavor da voz, do passo incerto
Da taquicardia
Do minuto seguinte
Pavor do pavor.
O absoluto caos
Em cada esquina
Por trás de cada porta
Em cada olhar.
Um trago duplo
Um antidistônico
Só dão um tempo e a certeza
Do retornar mais terrível.
Não feches, não abras as mãos
Não as coloque em nenhum lugar
Porque nada mais é seguro.
Não pises
Não fales não cales
Não olhes
Não ouças nada do que se diga
Agora, e não creias em nada
Do que foi dito antes.
Nada importa.
É que no próximo ato
Certamente, o abismo te aguarda.


Francisco Cleóbulo Teixeira

terça-feira, 5 de abril de 2011

Éramos

Éramos três, sempre três
A vida era a porta ao lado
O mundo, aberto em calçadas
O sonho, nossa vitamina.

Éramos três, sempre três
O mar cabia num copo
A natureza, numa janela
O universo, em nossas pupilas.

Éramos três, sempre três
As cores ficaram mutantes
Os sons, palpáveis
Os fantasmas, covardes.

Éramos três, sempre três
A flor morreu na redoma
A Lógica e a Matemática, renegadas
A Filosofia, de fome.

Muitas luas passaram...

Deus não é uma equação!

Somos um, apenas um.



Francisco Cleóbulo Teixeira

quarta-feira, 30 de março de 2011

Viver

Viver
É ter um olho
Na fresta do tempo
É cravar as unhas na raiz
Do medo cotidiano
É correr
Com todos os pés descalços
Pelas calçadas do sonho.


Francisco Cleóbulo Teixeira

Plantar

Passadas fortes
Definidas
Nas rugas, o Sol
Vida
Nas mãos, o ferro
Força
Nos olhos, a terra
Esperança
Dúvida.



Francisco Cleóbulo Teixeira

quinta-feira, 24 de março de 2011

A missa

Maria Aparecida caminhava como se não sentisse o peso da enorme trouxa de roupas nem o frio da madrugada. Afora o canto dos primeiros galos e passarinhos, nenhum outro sinal de ser vivente. Povo preguiçoso, o daquele vilarejo. Ou era ela que acordava cedo demais? Gostava de acordar cedo, sim. Terminava logo de lavar as roupas e ganhava tempo para outros afazeres.
Maria já descia a ladeira do rio quando começou a ouvir aquilo. Era o terceiro dia seguido que ela ouvia aquele canto, parecido com canto de igreja, alternado por uma ladainha. Vinha dos lados da capela velha. Mas aquela capela já estava abandonada há bastante tempo. O padre até proibia os meninos de brincarem lá, porque havia o perigo de desabamento. O povo do lugar também comentava que havia atrás da capela um cemitério muito antigo, ainda do tempo dos escravos. Devia ser conversa fiada. Mas o que seria aquela música? Será que estavam rezando missa por lá? E porque alguém rezaria uma missa ali àquela hora da madrugada, ainda mais numa quinta-feira?
Ela suspendeu a trouxa de roupas, virou-se e voltou a subir a ladeira, tomando o rumo da capela velha. Era muito devota, mas ia muito mais movida por curiosidade do que por devoção. Lavaria a roupa algum tempo depois, que rezar pra Deus nunca era perda de tempo. O caminho para a capela era tão pouco transitado que se tornara fechado e escuro, com o matagal crescendo alto de um lado e outro. Por vezes, Maria quase não conseguia passar alguns trechos, como se os arbustos fossem fechar de vez o caminho. Mas ela ia em frente, pois aquele cantar bonito, diferente e cada vez mais próximo atraía de forma quase hipnótica.
Mesmo antes de chegar, Maria já percebera uma luz que saía pela porta da frente. Ela aproximou-se, e era uma luz forte, quase incandescente, como se o próprio Sol estivesse no interior da capela. Ela entrou, e qual não foi o seu deslumbramento. Aquelas pessoas não eram iguais às pessoas que ela via na igreja aos domingos. Pareciam mais bonitas e ela não lhes distinguia os rostos; pareciam mais perfumadas e ela não lhes sentia nenhum perfume; pareciam todos muito bem vestidos e saudáveis, apesar de haverem ali ricos e pobres, velhos e jovens, cegos e aleijados. Maria Aparecida sabia de tudo isso sem entender como.




O tempo passou e Maria, mergulhada em êxtase, nunca saberia dizer quanto tempo havia passado. Entendeu, porém, que terminara a “missa” porque todos agora se dirigiam para a porta de saída. Ela passou a seguí-los e podia jurar que os pés deles não tocavam o chão. Já do lado de fora, caminhavam em direção à parte de trás da capela, onde se dizia que existia o velho cemitério, todos aureolados pela mesma luz fascinante e que nada tinha a ver com a luz do Sol.
À medida que chegavam ao terreno do campo santo, aquelas pessoas iam desaparecendo, umas aqui, outras ali, outras mais adiante... Até que não restava mais ninguém. Maria Aparecida olhou para o chão ao seu redor e não viu nenhuma pegada, a não serem as suas próprias. Ela soube então que, a partir daquele momento, haveria lugar para muitas outras coisas em seu coração, mas não mais haveria lugar para o medo.






Francisco Cleóbulo Teixeira

segunda-feira, 14 de março de 2011

Reflexões de um equilibrista

A vida é que não seria
Se uma rede houvesse
Entre o solo e a corda bamba.
Entre o solo de concreto e a corda infinita
Cem metros de puro vazio
Que bem podem ser a escolha.
Os braços abertos não são asas
Só buscam a agonia do equilíbrio.
Mas, por que não ser um pássaro
Por poucos segundos apenas
Se, muito mais do que cair
A grande queda é prosseguir?


Francisco Cleóbulo Teixeira

Solo

Nunca importa o princípio
Meio, fim
- não a eles -
Desse balet dantesco
Magnífico, semi-mortal.
Luz e sombras
Rodopios
Saltos e tropeços
No palco
Deles sob medida, por eles determinado
A vida em transe
No limiar
-gritos, sussurros
soluços, gargalhadas -
(o palco determina)
E um só ponto de vista:
No palco, a vida.


Francisco Cleóbulo Teixeira

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Presságio

Donde vem a voz sussurrante
Que, com a brisa da noite
Chega lúgubre e, de chofre
Se apossa dos meus ouvidos?


Como chega a poeira fina
De sepulturas recentes
Grudando nos meus cabelos?
Cheiro de flor de mortalha
Ativo no meu olfato
Insistindo em recordar...


Por que mais um calafrio
Anunciando a presença incômoda
Do assassino comum?


Por que, se de antemão
A carne sabe e aguarda
Insone, o fio da foice...


Francisco Cleóbulo Teixeira

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Flor última

Era uma flor de campina
Nativa, completamente e
Decididamente flor.
Nas pétalas, aquela cor
De natureza em delírio
Encantando os olhos do mundo.
Cada dia mais bela
Vicejando aos quatro ventos
Cada dia mais flor
Orgulho da primavera.
Perfume inebriante
Aconchegante
Floral.
E colibris extasiados
Escravos adejantes
Eternamente
Satélites.
Vieram então os feitiços
Os sátiros, as nuvens negras
Cavalgando imenso dragão.
Sete cabeças a flutuar
Sete, com a perfeição do mal
E as lanças do apocalipse.
Os verdes foram tragados
Os ventos se corromperam
Os colibris emigraram.
Das pétalas, palidez mortal
Dos aromas, nostalgia
Da natureza, uma lágrima
Da primavera, a última flor de campina.


Francisco Cleóbulo Teixeira

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Sobre o poema Menina Moça

Meus queridos leitores e leitoras,

O poema intitulado Menina-Moça é todo rimado e metrificado, da autoria de um aprendiz de poeta (eu, quando tinha 19 anos). É o mais criticado por alguns amigos “literatos” e “acadêmicos”: dizem que é apelativo, vulgar, antiquado, com um nível muito abaixo de outros poemas meus, como O Títere (já publicado aqui) e Reflexões de um equilibrista. Reconheço isto, mas eu tinha apenas 19 anos à época, e um monte de gente gosta do poema! Então, não vou privar dele as leitoras e leitores do Blog. Aliás, como já avisei no endereço velho, toda e qualquer poesia minha será aqui publicada, seja inédita ou não.
Aproveito para avisar que não escrevo pornografia (as queridas leitoras podem ficar sossegadas): no máximo, um pouquinho de erotismo, como é o caso deste. Mas quem não gostar, pode deixar sua crítica nos Comentários, que eu publico. É outra regra deste blog que sempre será por mim obedecida: todo e qualquer comentário será publicado, desde que não contenha palavrões.
Bem, pra uma pequena intervenção, já falei demais, né?..rs... Chega. Muito obrigado pela atenção e vamos ao poeminha.



Francisco Cleóbulo Teixeira

Menina moça

Menina-moça faceira
Do olhar malicioso
Por que pões nestes teus lábios
Um sorriso tão mimoso?


Talvez zombes do poeta
Que te olha desejoso
Como querendo engolir
Este corpinho fogoso
E sem poder resistir.


Tens a boquinha pequena
Narizinho arrebitado
Orelhinhas de veludo.
Mas tem um pouco de pena
Não me deixes nesse estado
Querendo devorar tudo.


Esta cinturinha mole
Só falta mesmo falar
E quando ela se bole
Faz o poeta vibrar.
Este umbiguinho tão chique
Merece uma mordidinha
Pra deixar de ser moleque.


Nos teus seios pontiagudos
O poeta vê montanhas
Montes, colinas e picos
Que ele sonha escalar.
Não são grandes nem miúdos
Fofinhos, cheios de manha
Um beijo em cada bico
O poeta quer deixar.


Tens no teu sangue o fogo
E na carne, o desejo
No teu sonho habita o sexo
Na língua, um gôsto de beijo.


Esse teu andar de cobra
Tem efeito de despacho.
Mas não é bom atiçar
No coração do poeta
Os seus instintos de macho.


O poeta é perigoso
Sabe palavras bonitas
E quer te enfeitiçar.
Ele se faz de manhoso
Mas se nele acreditas
Pra cama vai te levar.


Vai revirar teu juízo
Te ensinar maravilhas
E mostrar-te o paraíso.
Vai desvendar teus segredos
Que eram tão bem guardados
E botar na tua boca
O gosto bom dos pecados.


Mas depois não vá chorar
Senão o mesmo bandido
Que roubou tua inocência
Se chega arrependido.
Vem fazendo mil carinhos
Tentando te consolar
E, com certeza, pra cama
De novo vai te levar.



Francisco Cleóbulo Teixeira

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Sobre o conto O atropelamento

Este conto foi um dos seis vencedores do Primeiro Festival de Literatura Xerox e Revista Livro Aberto (São Paulo, 1997), juntamente com O duelo, também já postado aqui, ambos publicados na coletânea do festival.
O personagem é o mesmo nos dois contos e em O suicídio, igualmente já publicado neste blog: um matador de aluguel, mas que segue uma estranha conduta própria de justiça. Apesar da narrativa em primeira pessoa, esse sujeito nada tem a ver comigo, ok, pessoal?... (rs). Pra começar, eu não sou (nunca fui!) malvado nem violento (he, he) e ele é um tipo alto, atlético, com algo em torno de 33 anos de idade.

Francisco Cleóbulo Teixeira

O atropelamento

I

O contato havia sido feito por alguém que, pensava, devia-me um grande favor, apesar de ter pago pelo mesmo. Não me conhecia pessoalmente, claro, mas sabia de que jeito contactar-me(um anúncio codificado num jornal de domingo, dando um número de telefone). Assegurou-me por telefone que estava sendo apenas intermediário, somente com o intuito de ajudar um amigo. Desconfio que ele tinha mais interesse no serviço do que mesmo o amigo. Entretanto, deu-me todas as garantias quanto ao pagamento. Pedi-lhe dois dias para me decidir, quando então voltaria a ligar.
A história relatada pelo intermediário foi a seguinte: o homem para quem eu faria o serviço(se o aceitasse), havia sido sócio do outro(o possível alvo) numa empresa constituída de três pequenas lojas. Inicialmente proprietário único, ele resolveu aceitar seu dinâmico gerente como sócio minoritário. Em pouco tempo, os papéis se inverteram, com meu possível cliente passando a ser o sócio minoritário. O problema é que ele havia adquirido um pequeno vício, o qual foi crescendo e crescendo, feito uma bola de neve montanha abaixo: o homem gostava de jogar cartas, sendo que vinha jogando cada vez mais à medida que passavam os dias. Jogava, perdia, contraía dívidas; para saldá-las, começou a vender suas quotas de participação ao sócio, que não demorou a assumir o controle dos negócios. Outro problema do nosso homem era a esposa. Bastante atraente e vaidosa, gastava tanto consigo própria quanto o marido gastava nas mesas de jogo. As dívidas foram se acumulando, até que a coisa toda se complicou e atingiu o seu ponto crítico. A essas alturas, nosso jogador sem sorte procurou o sócio em busca de um empréstimo junto à empresa. Mas o sócio já tinha uma contraproposta engatilhada: não lhe concederia o empréstimo, porém estava disposto a comprar o restante de sua participação na sociedade, pagando-lhe uma quantia que dava para cobrir todas as dívidas e ainda sobrava bastante. Só que a referida quantia mal ultrapassava metade do valor real das quotas. Era uma cretinice, uma sacanagem, uma demonstração de oportunismo e falta de escrúpulos sem tamanho! - o nosso jogador esbravejou, protestou irado e nem precisou dizer que recusava categoricamente. Levantou-se e caminhou em direção à porta de saída, tão indignado como nunca em toda a sua existência.
O sócio tratou de retê-lo antes que saísse. Segurou-lhe o braço afetuosamente, pedindo mil desculpas pela forma brusca como fizera a proposta. Conseguiu trazê-lo de volta à cadeira, serviu-lhe uma dose dupla de um whisky importado que sempre mantinha sobre o frigobar, “só para ocasiões especiais”- costumava dizer. Cuidou de abrandá-lo com palavras gentis, enquanto tirava do frigobar uma fôrma de cubos de gelo, castanhas e amendoins para tira-gosto. Após a terceira dose dupla, o nosso jogador estava calmo, tranquilo que nem um passarinho. Foi então que o sócio resolveu retornar ao assunto da venda das quotas. Mostrou-lhe, apoiado em sólidos argumentos, a inexistência de outra saída; ele não encontraria nenhum outro comprador para suas quotas, tendo em vista a grave recessão na qual o país anda mergulhado. Mesmo que aparecesse alguém, seria facilmente dissuadido a não entrar, pois teria a participação de menos de um terço; portanto, sem qualquer poder de decisão. Lembrou-lhe também dos vários agiotas que estavam na sua cola, cada um mais impaciente do que o outro.
O sócio estava seguramente a par de todos os problemas do amigo, detalhe por detalhe. Contudo, pretendia ajudá-lo, conforme disse com voz prestimosa e um sorriso de bonomia. Para arrematar, ofereceu-lhe a gerência de uma das lojas, ficando sua esposa como secretária da matriz. Quando o outro alegou que a esposa jamais aceitaria tamanha humilhação, apressou-se em assegurar que já havia conversado com ela. Convencera a mulher de que, trabalhando, ela ajudaria o marido a sair daquela enrascada. Ainda meio aturdido, porém já resignado, nosso homem não teve outro jeito senão concordar com tudo quanto o sócio camarada lhe propunha. Este rodeou-lhe o ombro carinhosamente, afirmando, de forma solene, que podia contar com ele em qualquer outra situação de aperto.


II

Nosso jogador não poderia imaginar que seus problemas mal haviam começado. O parco salário de gerente não mais lhe permitia frequentar mesas de jogo, de modo que substituiu-as pelas mesas de bar. Bebia diariamente, sempre em bares próximos da loja onde trabalhava. Foi em um desses bares que ele ouviu os mexericos, vindos da mesa ao lado. Quem falava, certamente não o conhecia, pois usava termos de baixo calão, referindo-se a um suposto caso entre o seu patrão (ex-sócio) e a secretária do mesmo. Ora, a referida secretária era sua esposa!
Não lhe foi difícil desatar alguns nós, preencher alguns claros e esclarecer vários pontos obscuros para chegar à terrível e absoluta verdade: os dois tinham um caso, sim, e já fazia um bocado de tempo. Não tendo mais dúvidas da infame traição, sua reação imediata foi encher a cara. Ato contínuo, chegou em casa completamente embriagado e agrediu a esposa, inclusive perseguindo-a pela casa com uma faca de cozinha. Na verdade, o pobre diabo não estava em condições de ferir sequer um urso de pelúcia ou uma almofada, com a tal faca. Mas prevaleceu a versão da esposa durante o processo de divórcio. Ela foi assistida por uma das melhores advogadas neste ramo, provavelmente patrocinada pelo seu patrão(e amante). O ultrajado marido teve que ceder a casa onde moravam, outros bens remanescentes e a guarda de uma filha única. Só escapou da pensão alimentícia porque o seu patrão e ex-sócio já o havia demitido.
O intermediário esmiuçou toda essa história na tentativa de convencer-me a trabalhar com abatimento, levando-se em conta as precárias condições em que ficara o interessado. Pretendia comover-me, e conseguiu. Um pouco. Depois do relato, surpreendi-me um tanto solidário com uma das partes e um tanto enfurecido com a outra. O diabo é que as coisas não são assim tão simples nesta minha profissão. Resolvi primeiro investigar meu possível cliente. O homem devia ter uns 45 anos de idade, mas já era uma ruína, um coitado que estava rapidamente afundando na merda. Sem emprego, sem bens, sem a mulher, sem a filha, enchia a cara diariamente; se já não era um alcoólatra crônico, seria-o em muito pouco tempo.

Apesar de simpatizar com a sua causa, eu via nele um fraco, entregando os pontos prematuramente. Mais um que se considerava esmagado pelo sistema, resignando-se a cavar a própria sepultura. Comuniquei ao intermediário que faria a coisa toda pela metade do preço inicial. Negócio fechado. A partir daí, comecei a seguir o outro sujeito, o ex-sócio, objetivando conhecer-lhe os hábitos e os percursos diários. Ele almoçava sempre com um grupo de amigos, num dos melhores restaurantes do centro. Depois, seguia a pé pela avenida Conde da Boa Vista até chegar ao cruzamento com a Rua do Hospício, onde atravessava a avenida. Eu já observara um pormenor em relação àquele cruzamento: em dias de grande movimento, tanto de gente quanto de carros, os transeuntes ficam amontoados sobre o estreito meio-fio entre as duas pistas, esperando o sinal fechar. Muitas dessas pessoas se postam na extremidade do meio-fio, indiferentes ao perigo que correm. Isto porque, fechando-se o sinal da avenida, um ou outro ônibus que vem pela Rua do Hospício e encontra o sinal verde, faz a curva aberta sem reduzir a velocidade. Se, neste exato momento, uma das pessoas da extremidade for acidentalmente empurrada... Bem, o meu alvo era um dos que invariavelmente ficavam ali, na extremidade.
Após atravessar, ele prosseguia pela Rua do Hospício até a Imperatriz, onde tinha o seu escritório no 1* andar de uma das lojas. Descobri também que o sujeito vinha progredindo rapidamente, mesmo já respondendo a dois ou três processos por negócios escusos. Mas aquilo não o preocupava nem um pouco; fazia parte do jogo, do seu jogo. O homem agia feito um trator, uma máquina pesada que vai abrindo caminho na marra, passando por cima de tudo e de todos quantos se metessem na sua frente. Como fez com o seu antigo sócio. Jovem ainda, o tipo iria longe, se não estivesse fadado a morrer tão cedo.
Em certa ocasião, num final de tarde e de expediente no comércio, segui-o até um bar do centro, onde ele sentou-se com uns amigos. Ocupei uma mesa próxima e fiquei ouvindo-lhe a conversa. Queria conhecer um pouco mais de perto o sujeito, saber como ele pensava, do que ele gostava, o que o motivava a ser como era. Não se tratava de nenhum interesse mórbido da minha parte. Penso também que não tinha muito a ver com psicologia ou qualquer outra coisa desse tipo. Acontece que a vida do homem estava nas minhas mãos, e mesmo eu sabendo que não voltaria atrás no compromisso assumido, pretendia ver se não haveria algo naquela vida que justificasse a sua permanência. Pura curiosidade.

Não demorei muito a perceber que iria gostar de matá-lo. Era mais um dessa tribo de pernósticos que se consideram donos de todas as coisas, de todas as mulheres, donos do mundo. Falam nessa porra de Neoliberalismo e numa tal de Reengenharia com uma convicção que não convence nem as suas entediadas esposas. Defendem veementemente o extermínio(!) de meninos de rua porque estes sujam os seus pára-brisas a pretexto de limpá-los, sempre que se é obrigado a parar no sinal. E por falar em pára-brisas, puxam logo o assunto para os últimos modelos de carros, importados ou não, a serem lançados na praça; e a lengalenga continua por horas a fio, regada a cerveja e tira-gostos. Só que não tenho mais saco para ouvi-los.
Da minha mesa, olhei para ele uma última vez, ali cercado de seus iguais. Fixei bem seus traços, seus gestos, obtendo então um raio-x definitivo. Certamente tinha esposa e filhos menores, os quais ficariam muito melhor sem ele e com o seu espólio, além de um alentado seguro de vida.


III


Pela enésima vez, segui o homem avenida acima. Existem regras para seguir alguém sem ser percebido: usar de cada vez roupas diferentes e que não chamem a atenção; olhar para a pessoa de forma disfarçada e o mínimo necessário, evitando encará-la; manter uma distância moderada, só fazendo a aproximação quando for preciso; se possível, somente no instante extremo, no minuto do ato. Apesar deste último item, fiz quatro aproximações completas, sempre ficando meio por trás e a poucos centímetros do cara. Em nenhuma destas ocasiões havia chegado o momento adequado. Tive sorte de não ser percebido pelo sujeito, que andava sempre distraído com seus próprios interesses e raramente olhando em volta. Se olhava ocasionalmente para alguém, era com um mal disfarçado desprezo e o eterno ar de superioridade que lhe era peculiar.
Fiz a aproximação mais uma vez. Ele estava no meio-fio, no lugar de costume, esperando o sinal da avenida fechar e também a passagem de um ou outro coletivo proveniente da Rua do Hospício. Logo, fiquei bem atrás e a alguns centímetros dele. Havia muita gente no meio-fio, o que era ótimo, e não tinha ninguém na frente dele, o que era melhor ainda. O sinal fechou para a avenida, já estava aberto para a Rua do Hospício, e lá vinha um ônibus iniciando a curva aberta. Exatamente um dos que entram com maior velocidade. Era chegada a hora, eu não tive mais dúvidas.
Quando estive no exército, na minha unidade jogávamos rúgbi, o futebol americano. Éramos uma elite composta principalmente de oficiais e suboficiais, todos muito bem dotados fisicamente. Alguns tinham quase duas vezes o meu tamanho, mas cheguei a ser um dos melhores em pouco tempo. Ao contrário dos americanos, jogávamos o rúgbi sem nenhuma proteção essencial, como capacetes, ombreiras e joelheiras. O resultado disto eram ombros esfolados, braços deslocados, escoriações as mais diversas. Até que certo dia, um dos oficiais sofreu uma séria fratura no crânio. A partir de então, o oficial comandante da unidade proibiu terminantemente a prática do jogo, ameaçando inclusive com severas punições aqueles que desobedecessem tal ordem.

Mas foi durante este período que aprendi um truque através do qual, derruba-se um homem sem utilizar as mãos ou as pernas, de forma que a coisa toda parece um acidente. O truque consiste em abalroar o outro por trás, utilizando para isto o ombro com todo o impulso possível e o antebraço dobrado na altura dos rins do indivíduo. Mesmo que alguém ali me visse no ato, o que era quase impossível em meio a tanta gente, ainda persistiria a impressão de acidente; quem visse pensaria que eu o abalroei porque também já havia sido trombado por outra pessoa atrás de mim, provocando uma reação em cadeia ou efeito dominó.
Esperei décimos de segundo. O ônibus estava a pouco mais de três metros, então entrei no sujeito com o ombro e o antebraço. Ele foi arremessado bem para a frente do coletivo. A última imagem que vi do homem antes do impacto foi ele erguendo a pasta diante de si, como se quisesse barrar, com ela, a enorme massa de metal que avançava inexoravelmente. Ao barulho seco do impacto, seguiu-se o clamor da multidão. Depois, gritos e mais gritos de mulheres; um guinchar rascante horrível de se ouvir, quando o motorista do ônibus pisou instintivamente nos freios; chiado de pneus, cheiro de borracha queimada e um estrondo metálico, quando a lateral traseira do ônibus bateu em um poste sobre a calçada. Mais gritos, apitos de guardas de trânsito, buzinas, correria. E a avenida virou um inferno.
Tratei de sair logo dali, mas antes, olhei para o lado e vi, a alguns metros de mim, uma mulher que me atraiu a atenção. Ela estava paralisada, a boca aberta em um grito surdo, os olhos tão abertos quanto a boca. Prisioneira de um transe histérico, ela olhava fixamente(não conseguia desviar os olhos) para alguma coisa que rolava sob as ferragens debaixo do ônibus. Algo que, fosse coisa ou fosse gente, já estava além de qualquer reengenharia.
Na manhã do outro dia, numa rua distante do local do acidente, comprei um jornal. A notícia falava em pessoas feridas e uma vítima fatal. Dentre os feridos, todos com ferimentos leves, sem nenhuma gravidade. Ainda bem. Quanto à vítima fatal, seguia-se uma identificação pormenorizada do homem. Era alguém que eu conhecia, com certeza.




Francisco Cleóbulo Teixeira


quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Blues e lembranças

É sempre a cadência deste blues
Que me traz a lembrança dela.
Chega, e me toma inteiro
E me mata para ressuscitar-se
E tudo o mais se extingue.
Fecham-se os meus olhos, ela dança
Danço com ela, o paraíso é aqui
Ela está aqui, e o blues
É a minha pequena eternidade.



Francisco Cleóbulo Teixeira

O nome deste Blog

Apenas a título de breve esclarecimento, a denominação deste blog se deve ao poema “O Corvo” (The Raven), de Edgar Allan Poe. Uma das mais belas composições literárias de todos os tempos e em todos os idiomas, O Corvo representa um desses momentos únicos da criação artística, semelhante ao momento em que Bethoven compôs a sua Nona Sinfonia.

Francisco Cleóbulo Teixeira

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Anjo e Meretriz

“O Post anterior é uma espécie de justificativa deste poema.
Recomendo as duas leituras.”
Carinha de anjo, conduta dissimulada
E te supões séria, honesta?
As profissionais de esquina são honestas!
Deitas com quem te abre caminhos
E pagas a quem te fornece suposto amor.
Nos templos do Capital, os falsos sorrisos
Nunca te dignificam, mas te corroem a alma.
Dormes com muitos, mas o prazer te é escasso
Sempre. Com a vergonha pós-coito
Sobra-te o vazio, a dor. E na noite solitária
Quão baixa é a tua auto-estima.
Inda sonhas com um príncipe ser feliz
Mas não és princesa, és meretriz
E o Amor, ah, o tão almejado Amor!
Este envelhecerá contigo, só como sonho.

Francisco Cleóbulo Teixeira

Caríssimos leitores e leitoras...

O Post que se segue a este é um poema recente, no qual tento abordar um problema que vemos crescer dia a dia em nosso país: em todas as capitais e grandes cidades brasileiras, mulheres ainda jovens e solteiras entram num mercado de trabalho no qual predomina políticas neoliberais, consumismo exacerbado e machismo absoluto.
Nas grandes corporações (bancos, cadeias de lojas, redes de shoppings, fábricas, etc.), muitas destas mulheres são sexualmente assediadas por homens geralmente casados e que detém cargos de poder (gerentes, chefes de departamento, supervisores, etc.). Algumas resistem corajosamente ao assédio, redobram seus esforços e conquistam um lugar ao sol por seus próprios méritos; outras, levadas pela extrema necessidade, acabam se submetendo. Outras, porém, escolhem o caminho mais fácil: são as que procuram espontaneamente os homens de poder e a eles se submetem sexualmente em busca de ascensão profissional, que pode vir na forma de comissões, promoções, facilidades outras, etc.
Sem nenhum falso moralismo, considero este terceiro caso algo bem pior que a prostituição. Os homens em questão, gerentes ou chefes ou seja lá o que, irão comentar, contar vantagens em mesas de bar junto aos seus pares. Na melhor das hipóteses, alguns deles irão negar com um sorrisinho malicioso, que é uma forma cínica de confirmar. Típico do machismo brasileiro, este é o jeito mais “eficaz” de reafirmar seu “poder”, sua “competência”. Em pouco tempo, toda a população masculina do ambiente de trabalho fica sabendo. A grande maioria se deleita em tecer comentários picantes. E muitos passam a vê-la como "disponível" para eles também, por que não?
É quando a mulher desce ao seu ponto mais baixo em termos de dignidade, de moralidade e de auto-estima. Foi pensando nestas mulheres que fiz o poema a seguir.

domingo, 9 de janeiro de 2011

Terceiro milênio

Fronteiras e bandeiras
São outras agora porque
A música é outra e outra é a dança.
A procriação cede lugar
À clonagem de almas
Pois o homem faz o homem
À sua própria imagem e semelhança.
Não há mais chefes de estado
Já que Estados não há mais
Nem de Direito nem de graça, portanto
Ficam nos tronos
Os moleques de recado.
Resta saber que ventos
E que marés levam, e para onde
A imensa nau dos excluídos.



Francisco Cleóbulo Teixeira

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

O duelo

I

Houve um tempo em que eu achava que os caras os quais estava matando eram todos piores do que eu, portanto, mereciam morrer como baratas, esmagados sem contemplação. Hoje, continuo matando e achando que eles merecem; porém não mais me iludo quanto a ser melhor ou pior, já que mato quase sempre por dinheiro. Deverei morrer da mesma forma que eles, executado em algum beco escuro, terreno baldio ou algo semelhante. Igualzinho ao sujeito que matei anteontem.
Eram mais de duas horas da manhã, eu estava chegando nas proximidades do novo hotel onde me achava hospedado (a terceira mudança no período de duas semanas!). Havia um beco escuro ali (não tão escuro então, já que era lua cheia, como agora), perto do qual, sempre tinha que passar perscrutando o seu interior: aquele era um bom lugar e aquela era uma boa hora para um assalto. Se saísse um cara dali com uma arma, eu me faria de frouxo, apavorado, para depois dominá-lo e desarmá-lo quando ele estivesse no ponto mais alto de sua autoconfiança. Se fossem dois e não estivessem drogados, acho que o truque ainda funcionaria a contento, apesar de exigir maior esforço. Mas se saíssem dali três caras armados e, ainda por cima, chapados...
Meus pensamentos foram bruscamente interrompidos quando levei um forte empurrão pelas costas em direção ao beco. Fui praticamente arremessado beco a dentro e me vi correndo involuntariamente até quase a parede extrema. Foi então que me agachei rapidamente em busca da pequena 22, a qual sempre levava num coldre pouco acima do sapato. Quando não tinha nenhum “serviço” em vista, andava somente com aquela armazinha que parecia um brinquedo, para evitar problemas com a polícia durante o dia. Que eu saiba, nenhum policial dá uma busca de arma tão minuciosa em um cidadão insuspeito em plena luz do dia. Mas se um dia acontecesse e um deles chegasse até meu sapato, eu faria cara de panaca constrangido, diria que a usava porque já fora assaltado três vezes, diria que não tinha porte de armas(eu tenho, mas devo mostrá-lo o menos possível), diria quase choramingando que não queria problemas com a lei. Puxaria do bolso a minha carteira, e isso o comoveria mais que tudo. Daria a ele algum trocado razoável e... claro, a arma! Isto o convenceria em definitivo porque eles adoram ficar com as armas quando o otário não tem porte. Depois a vendem a outros otários também sem porte.
Mas deixando as conjecturas de lado e voltando ao beco, eu já estava quase empunhando a 22 quando levei um tremendo chute na mão. A armazinha voou, caiu atrás de umas latas e sacos de lixo. Estava perdida e eu também fiquei meio perdido logo que vi a baita faca de dois gumes que o cara empunhava, bem na minha frente. Instintivamente, firmei os pés separados e esperei o ataque.
A faca sibilou descrevendo um arco, como se ele quisesse cortar a própria noite antes de cortar a minha carne. O próximo golpe, em sentido contrário, tinha como endereço certo a minha garganta. Contorci-me para trás, acertando-lhe o braço com o pé direito. Foi um golpe seco, rápido e bem aplicado, porém a faca não caiu. O filho-da-puta continuava a empunhá-la com firmeza, e agora tinha na cara um sorriso quase imperceptível facialmente, quase inaudível, mas um sorriso sarcástico. Sorria para dentro, para si, o brilho daqueles olhos me dizendo que ele já havia matado antes, e tinha adorado fazê-lo. Era um puto dum carniceiro profissional, o que significava o seguinte: só um de nós dois sairia vivo dali, e não era comigo que estava a faca.

II

Lembrei-me, em um lampejo, da última informação que ouvira de Panqueca, informante da polícia civil e informante meu também. Panqueca havia me dito, praticamente sussurrando ao telefone, que os homens já sabiam de mim e estavam bastante empenhados em me pegar. Segundo ele, haviam colocado um cão de caça para me rastrear. Panqueca o havia descrito como um ex-policial civil expulso da corporação, com três crimes de morte amplamente comprovados e fortes suspeitas sobre mais seis outros. Apesar de estar “foragido”, mantinha estreitos contatos junto a alguns setores da corporação. A princípio, achei que fosse conversa fiada, para justificar os pagamentos que eu lhe fazia; pois de que jeito eles podiam saber de mim, se nem o próprio Panqueca me conhecia pessoalmente? Pagava-o através de uma conta bancária que havia aberto para ele, depósitos feitos por mim on line e em dias incertos, comunicando-o por telefone somente após fazê-los. Aliás, só nos comunicávamos por telefone e eu sempre ligava de telefones públicos. Panqueca não era muito esperto, apesar de ser um excelente informante.
Mas ele não estava mentindo, a prova estava ali, em carne e osso. Os homens haviam me detectado e colocado no meu rastro o melhor cão de caça de que dispunham. O sujeito tentou mais um golpe, esticando o braço feito um aríete rumo ao meu estômago. Eu havia recebido um bom treinamento para me esquivar de facas, mas ele era um mestre no uso delas. Vez por outra, eu arriscava um golpe com as mãos ou com os pés: uma rasteira, dois diretos seguidos de esquerda, até um forte cruzado de direita. Logo descobri que aquilo parecia mais ou menos inútil. O tipo era mais baixo do que eu, mais lento com as pernas, porém bastante atarracado, dono de uma estupenda massa muscular. Bater nele era o mesmo que bater numa rocha.


O pior aconteceu logo a seguir: tentei um golpe usando a quina interna da mão esquerda no seu pescoço, e acertei... ao mesmo tempo em que a faca dele passou pelo meu antebraço. A faca não cortou, ela abriu as carnes no meu braço. Não pude conter o grito e em meio à dor lancinante, ainda me peguei imaginando em que inferno ele amolava aquela coisa. Fiquei alguns segundos meio encurvado, segurando o braço ferido. Ele teria facilmente me matado naquele momento, se não tivesse sentido o meu golpe. Estava também atordoado e massageava o pescoço, onde havia levado a porrada. O saco e o pescoço deviam ser os únicos pontos fracos num adversário com tanta massa muscular. Mas o sacana logo se recompôs, voltando à carga.
A partir daí, veio uma sequência de golpes e esquivas, com ele jogando a faca nos mais diversos ângulos: de baixo para cima, nas diagonais, de cima para baixo, na horizontal, para depois repetir toda a sequência. Eu me safava como podia, o braço ferido agora pesando uma tonelada. Aquela situação me fez lembrar de um enxadrista russo, um grande mestre de nome Tigran Petrossian, o qual era insuperável no jogo defensivo. Ele usava aquela habilidade para levar o maior número possível de partidas do match ao empate. O resultado de tal estratégia era que, em algum momento, o adversário se irritava, se arriscava em um lance mais ousado e fatalmente cometia um erro. Era aí que o Petrossian ganhava o match.






Na nossa situação atual, com as posições invertidas, o sujeito repetia suas sequências de golpes enquanto eu me esquivava procurando não cometer erros. Mas meu braço esquerdo sangrava adoidado, e isto era pior que qualquer erro. Sangrando daquele jeito, não teria muito tempo até diminuírem os meus reflexos e começarem as tonteiras. O homem da faca contava claramente com isto, pois de vez em quando olhava rápida e furtivamente para o meu braço, provavelmente considerando-o um pedaço já morto de mim. Ele sabia que o tempo estava do seu lado, tendo apenas que esticar este tempo. Foi então que a idéia explodiu na minha cabeça. Eu precisaria mesclar um truque com uma rápida ação de judô, num lance decisivo onde as probabilidades de falha eram muito maiores do que as de êxito. A falha seria a minha morte.
Emitindo um grito que simulava desespero, joguei o braço direito com a quina interna da mão em direção ao seu pescoço. Ele ergueu o braço esquerdo para se proteger, pois já conhecia e temia aquele golpe; mas também arremeteu a faca com a outra mão em um arco aberto rumo ao meu tórax, como eu esperava. Sem um décimo de segundo a perder, girei o braço sob o dele, desviando rapidamente a tragetória do meu golpe. Dobrei a quina da mão para baixo e atingi-o na parte interna do cotovelo direito, fazendo-o dobrar involuntariamente o semi-arco que o sacana já havia iniciado com a faca e que deveria atingir em cheio o meu flanco esquerdo. É agora! - pensei. Juntei toda a força que ainda me restava no braço ferido, levantei-o em meio a um grito que, agora sim, era de desespero e dor. Fechei a mão esquerda em torno do seu punho, o qual junto com a faca rumaram direta e velozmente para onde estavam então direcionados: para o peito esquerdo dele. A faca entrou até o cabo. Era de dois gumes, abria caminho fácil, sem contar que a minha força se somara à dele próprio.


III


O barulho da faca penetrando confundiu-se com os meus arquejos de cansaço, então recuei de costas contra a parede para não cair. Segurei meu braço ferozmente acima do corte, como se quisesse fazer um torniquete com a mão; tentei olhar para o homem, mas meus olhos estavam marejados de suor que ardia e cegava. Pisquei os olhos, joguei a cabeça de um lado para outro, como fazem os cães quando alguém joga água neles. Então, olhei para o homem da faca e ele estava ali, ainda de pé. “Já matou demais, cara. Agora é a tua vez.” Eu apenas pensei isto, não falei, porque estava cansado demais, baqueado demais até pra falar; e também porque não há nada para se dizer a um cara que você mata num beco escuro, sem nem sequer um cachorro vira-lata como platéia. No cinema eles sempre dizem alguma coisa, porque tem platéia. Mas neste submundo real em que vivo, o crime é uma arte silenciosa por excelência.
Ele tinha as duas mãos no peito, uma em torno do cabo da faca. Olhava atônito para mim, que por minha vez olhava atônito para o grande corte no meu braço. Daquele beco, só sairia incólume o aço frio da faca. O homem chegou a menear a cabeça de incredulidade, mas ainda não havia medo. O medo só veio quando lhe faltaram as pernas e ele começou a desmoronar. Aí todo o medo de sua vida estampou-se naquele rosto outrora pétreo, mas que agora desmoronava também. Aquele homem tinha medo de morrer, sim, só que descobriu isto tarde demais. Ainda teve alguns minutos para pensar. Muito pouco tempo para tão grande torrente de pensamentos.


Francisco Cleóbulo Teixeira

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

O títere

O burguês sorri para o espelho
- primeiro burocrata do dia -
Confere os dentes, cabelos, hálito
E vai.
Os barulhos do mundo, a mesma música
Do mesmo velho realejo
Mas, sem crianças por perto.
Curva-se ante o relógio, outro senhor
Deste escravo de tantos senhores.
Há às vezes outra música no ar
Mas não há por que ouvir
Para não precisar olhar, porque
Não é criança, tem medo
Do medo que o tem
Que lhe segura os cordões
Movimenta-o e o faz dançar
E depois, guarda-o na caixa
Até amanhã.






Francisco Cleóbulo Teixeira