segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Presságio

Donde vem a voz sussurrante
Que, com a brisa da noite
Chega lúgubre e, de chofre
Se apossa dos meus ouvidos?


Como chega a poeira fina
De sepulturas recentes
Grudando nos meus cabelos?
Cheiro de flor de mortalha
Ativo no meu olfato
Insistindo em recordar...


Por que mais um calafrio
Anunciando a presença incômoda
Do assassino comum?


Por que, se de antemão
A carne sabe e aguarda
Insone, o fio da foice...


Francisco Cleóbulo Teixeira

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Flor última

Era uma flor de campina
Nativa, completamente e
Decididamente flor.
Nas pétalas, aquela cor
De natureza em delírio
Encantando os olhos do mundo.
Cada dia mais bela
Vicejando aos quatro ventos
Cada dia mais flor
Orgulho da primavera.
Perfume inebriante
Aconchegante
Floral.
E colibris extasiados
Escravos adejantes
Eternamente
Satélites.
Vieram então os feitiços
Os sátiros, as nuvens negras
Cavalgando imenso dragão.
Sete cabeças a flutuar
Sete, com a perfeição do mal
E as lanças do apocalipse.
Os verdes foram tragados
Os ventos se corromperam
Os colibris emigraram.
Das pétalas, palidez mortal
Dos aromas, nostalgia
Da natureza, uma lágrima
Da primavera, a última flor de campina.


Francisco Cleóbulo Teixeira

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Sobre o poema Menina Moça

Meus queridos leitores e leitoras,

O poema intitulado Menina-Moça é todo rimado e metrificado, da autoria de um aprendiz de poeta (eu, quando tinha 19 anos). É o mais criticado por alguns amigos “literatos” e “acadêmicos”: dizem que é apelativo, vulgar, antiquado, com um nível muito abaixo de outros poemas meus, como O Títere (já publicado aqui) e Reflexões de um equilibrista. Reconheço isto, mas eu tinha apenas 19 anos à época, e um monte de gente gosta do poema! Então, não vou privar dele as leitoras e leitores do Blog. Aliás, como já avisei no endereço velho, toda e qualquer poesia minha será aqui publicada, seja inédita ou não.
Aproveito para avisar que não escrevo pornografia (as queridas leitoras podem ficar sossegadas): no máximo, um pouquinho de erotismo, como é o caso deste. Mas quem não gostar, pode deixar sua crítica nos Comentários, que eu publico. É outra regra deste blog que sempre será por mim obedecida: todo e qualquer comentário será publicado, desde que não contenha palavrões.
Bem, pra uma pequena intervenção, já falei demais, né?..rs... Chega. Muito obrigado pela atenção e vamos ao poeminha.



Francisco Cleóbulo Teixeira

Menina moça

Menina-moça faceira
Do olhar malicioso
Por que pões nestes teus lábios
Um sorriso tão mimoso?


Talvez zombes do poeta
Que te olha desejoso
Como querendo engolir
Este corpinho fogoso
E sem poder resistir.


Tens a boquinha pequena
Narizinho arrebitado
Orelhinhas de veludo.
Mas tem um pouco de pena
Não me deixes nesse estado
Querendo devorar tudo.


Esta cinturinha mole
Só falta mesmo falar
E quando ela se bole
Faz o poeta vibrar.
Este umbiguinho tão chique
Merece uma mordidinha
Pra deixar de ser moleque.


Nos teus seios pontiagudos
O poeta vê montanhas
Montes, colinas e picos
Que ele sonha escalar.
Não são grandes nem miúdos
Fofinhos, cheios de manha
Um beijo em cada bico
O poeta quer deixar.


Tens no teu sangue o fogo
E na carne, o desejo
No teu sonho habita o sexo
Na língua, um gôsto de beijo.


Esse teu andar de cobra
Tem efeito de despacho.
Mas não é bom atiçar
No coração do poeta
Os seus instintos de macho.


O poeta é perigoso
Sabe palavras bonitas
E quer te enfeitiçar.
Ele se faz de manhoso
Mas se nele acreditas
Pra cama vai te levar.


Vai revirar teu juízo
Te ensinar maravilhas
E mostrar-te o paraíso.
Vai desvendar teus segredos
Que eram tão bem guardados
E botar na tua boca
O gosto bom dos pecados.


Mas depois não vá chorar
Senão o mesmo bandido
Que roubou tua inocência
Se chega arrependido.
Vem fazendo mil carinhos
Tentando te consolar
E, com certeza, pra cama
De novo vai te levar.



Francisco Cleóbulo Teixeira

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Sobre o conto O atropelamento

Este conto foi um dos seis vencedores do Primeiro Festival de Literatura Xerox e Revista Livro Aberto (São Paulo, 1997), juntamente com O duelo, também já postado aqui, ambos publicados na coletânea do festival.
O personagem é o mesmo nos dois contos e em O suicídio, igualmente já publicado neste blog: um matador de aluguel, mas que segue uma estranha conduta própria de justiça. Apesar da narrativa em primeira pessoa, esse sujeito nada tem a ver comigo, ok, pessoal?... (rs). Pra começar, eu não sou (nunca fui!) malvado nem violento (he, he) e ele é um tipo alto, atlético, com algo em torno de 33 anos de idade.

Francisco Cleóbulo Teixeira

O atropelamento

I

O contato havia sido feito por alguém que, pensava, devia-me um grande favor, apesar de ter pago pelo mesmo. Não me conhecia pessoalmente, claro, mas sabia de que jeito contactar-me(um anúncio codificado num jornal de domingo, dando um número de telefone). Assegurou-me por telefone que estava sendo apenas intermediário, somente com o intuito de ajudar um amigo. Desconfio que ele tinha mais interesse no serviço do que mesmo o amigo. Entretanto, deu-me todas as garantias quanto ao pagamento. Pedi-lhe dois dias para me decidir, quando então voltaria a ligar.
A história relatada pelo intermediário foi a seguinte: o homem para quem eu faria o serviço(se o aceitasse), havia sido sócio do outro(o possível alvo) numa empresa constituída de três pequenas lojas. Inicialmente proprietário único, ele resolveu aceitar seu dinâmico gerente como sócio minoritário. Em pouco tempo, os papéis se inverteram, com meu possível cliente passando a ser o sócio minoritário. O problema é que ele havia adquirido um pequeno vício, o qual foi crescendo e crescendo, feito uma bola de neve montanha abaixo: o homem gostava de jogar cartas, sendo que vinha jogando cada vez mais à medida que passavam os dias. Jogava, perdia, contraía dívidas; para saldá-las, começou a vender suas quotas de participação ao sócio, que não demorou a assumir o controle dos negócios. Outro problema do nosso homem era a esposa. Bastante atraente e vaidosa, gastava tanto consigo própria quanto o marido gastava nas mesas de jogo. As dívidas foram se acumulando, até que a coisa toda se complicou e atingiu o seu ponto crítico. A essas alturas, nosso jogador sem sorte procurou o sócio em busca de um empréstimo junto à empresa. Mas o sócio já tinha uma contraproposta engatilhada: não lhe concederia o empréstimo, porém estava disposto a comprar o restante de sua participação na sociedade, pagando-lhe uma quantia que dava para cobrir todas as dívidas e ainda sobrava bastante. Só que a referida quantia mal ultrapassava metade do valor real das quotas. Era uma cretinice, uma sacanagem, uma demonstração de oportunismo e falta de escrúpulos sem tamanho! - o nosso jogador esbravejou, protestou irado e nem precisou dizer que recusava categoricamente. Levantou-se e caminhou em direção à porta de saída, tão indignado como nunca em toda a sua existência.
O sócio tratou de retê-lo antes que saísse. Segurou-lhe o braço afetuosamente, pedindo mil desculpas pela forma brusca como fizera a proposta. Conseguiu trazê-lo de volta à cadeira, serviu-lhe uma dose dupla de um whisky importado que sempre mantinha sobre o frigobar, “só para ocasiões especiais”- costumava dizer. Cuidou de abrandá-lo com palavras gentis, enquanto tirava do frigobar uma fôrma de cubos de gelo, castanhas e amendoins para tira-gosto. Após a terceira dose dupla, o nosso jogador estava calmo, tranquilo que nem um passarinho. Foi então que o sócio resolveu retornar ao assunto da venda das quotas. Mostrou-lhe, apoiado em sólidos argumentos, a inexistência de outra saída; ele não encontraria nenhum outro comprador para suas quotas, tendo em vista a grave recessão na qual o país anda mergulhado. Mesmo que aparecesse alguém, seria facilmente dissuadido a não entrar, pois teria a participação de menos de um terço; portanto, sem qualquer poder de decisão. Lembrou-lhe também dos vários agiotas que estavam na sua cola, cada um mais impaciente do que o outro.
O sócio estava seguramente a par de todos os problemas do amigo, detalhe por detalhe. Contudo, pretendia ajudá-lo, conforme disse com voz prestimosa e um sorriso de bonomia. Para arrematar, ofereceu-lhe a gerência de uma das lojas, ficando sua esposa como secretária da matriz. Quando o outro alegou que a esposa jamais aceitaria tamanha humilhação, apressou-se em assegurar que já havia conversado com ela. Convencera a mulher de que, trabalhando, ela ajudaria o marido a sair daquela enrascada. Ainda meio aturdido, porém já resignado, nosso homem não teve outro jeito senão concordar com tudo quanto o sócio camarada lhe propunha. Este rodeou-lhe o ombro carinhosamente, afirmando, de forma solene, que podia contar com ele em qualquer outra situação de aperto.


II

Nosso jogador não poderia imaginar que seus problemas mal haviam começado. O parco salário de gerente não mais lhe permitia frequentar mesas de jogo, de modo que substituiu-as pelas mesas de bar. Bebia diariamente, sempre em bares próximos da loja onde trabalhava. Foi em um desses bares que ele ouviu os mexericos, vindos da mesa ao lado. Quem falava, certamente não o conhecia, pois usava termos de baixo calão, referindo-se a um suposto caso entre o seu patrão (ex-sócio) e a secretária do mesmo. Ora, a referida secretária era sua esposa!
Não lhe foi difícil desatar alguns nós, preencher alguns claros e esclarecer vários pontos obscuros para chegar à terrível e absoluta verdade: os dois tinham um caso, sim, e já fazia um bocado de tempo. Não tendo mais dúvidas da infame traição, sua reação imediata foi encher a cara. Ato contínuo, chegou em casa completamente embriagado e agrediu a esposa, inclusive perseguindo-a pela casa com uma faca de cozinha. Na verdade, o pobre diabo não estava em condições de ferir sequer um urso de pelúcia ou uma almofada, com a tal faca. Mas prevaleceu a versão da esposa durante o processo de divórcio. Ela foi assistida por uma das melhores advogadas neste ramo, provavelmente patrocinada pelo seu patrão(e amante). O ultrajado marido teve que ceder a casa onde moravam, outros bens remanescentes e a guarda de uma filha única. Só escapou da pensão alimentícia porque o seu patrão e ex-sócio já o havia demitido.
O intermediário esmiuçou toda essa história na tentativa de convencer-me a trabalhar com abatimento, levando-se em conta as precárias condições em que ficara o interessado. Pretendia comover-me, e conseguiu. Um pouco. Depois do relato, surpreendi-me um tanto solidário com uma das partes e um tanto enfurecido com a outra. O diabo é que as coisas não são assim tão simples nesta minha profissão. Resolvi primeiro investigar meu possível cliente. O homem devia ter uns 45 anos de idade, mas já era uma ruína, um coitado que estava rapidamente afundando na merda. Sem emprego, sem bens, sem a mulher, sem a filha, enchia a cara diariamente; se já não era um alcoólatra crônico, seria-o em muito pouco tempo.

Apesar de simpatizar com a sua causa, eu via nele um fraco, entregando os pontos prematuramente. Mais um que se considerava esmagado pelo sistema, resignando-se a cavar a própria sepultura. Comuniquei ao intermediário que faria a coisa toda pela metade do preço inicial. Negócio fechado. A partir daí, comecei a seguir o outro sujeito, o ex-sócio, objetivando conhecer-lhe os hábitos e os percursos diários. Ele almoçava sempre com um grupo de amigos, num dos melhores restaurantes do centro. Depois, seguia a pé pela avenida Conde da Boa Vista até chegar ao cruzamento com a Rua do Hospício, onde atravessava a avenida. Eu já observara um pormenor em relação àquele cruzamento: em dias de grande movimento, tanto de gente quanto de carros, os transeuntes ficam amontoados sobre o estreito meio-fio entre as duas pistas, esperando o sinal fechar. Muitas dessas pessoas se postam na extremidade do meio-fio, indiferentes ao perigo que correm. Isto porque, fechando-se o sinal da avenida, um ou outro ônibus que vem pela Rua do Hospício e encontra o sinal verde, faz a curva aberta sem reduzir a velocidade. Se, neste exato momento, uma das pessoas da extremidade for acidentalmente empurrada... Bem, o meu alvo era um dos que invariavelmente ficavam ali, na extremidade.
Após atravessar, ele prosseguia pela Rua do Hospício até a Imperatriz, onde tinha o seu escritório no 1* andar de uma das lojas. Descobri também que o sujeito vinha progredindo rapidamente, mesmo já respondendo a dois ou três processos por negócios escusos. Mas aquilo não o preocupava nem um pouco; fazia parte do jogo, do seu jogo. O homem agia feito um trator, uma máquina pesada que vai abrindo caminho na marra, passando por cima de tudo e de todos quantos se metessem na sua frente. Como fez com o seu antigo sócio. Jovem ainda, o tipo iria longe, se não estivesse fadado a morrer tão cedo.
Em certa ocasião, num final de tarde e de expediente no comércio, segui-o até um bar do centro, onde ele sentou-se com uns amigos. Ocupei uma mesa próxima e fiquei ouvindo-lhe a conversa. Queria conhecer um pouco mais de perto o sujeito, saber como ele pensava, do que ele gostava, o que o motivava a ser como era. Não se tratava de nenhum interesse mórbido da minha parte. Penso também que não tinha muito a ver com psicologia ou qualquer outra coisa desse tipo. Acontece que a vida do homem estava nas minhas mãos, e mesmo eu sabendo que não voltaria atrás no compromisso assumido, pretendia ver se não haveria algo naquela vida que justificasse a sua permanência. Pura curiosidade.

Não demorei muito a perceber que iria gostar de matá-lo. Era mais um dessa tribo de pernósticos que se consideram donos de todas as coisas, de todas as mulheres, donos do mundo. Falam nessa porra de Neoliberalismo e numa tal de Reengenharia com uma convicção que não convence nem as suas entediadas esposas. Defendem veementemente o extermínio(!) de meninos de rua porque estes sujam os seus pára-brisas a pretexto de limpá-los, sempre que se é obrigado a parar no sinal. E por falar em pára-brisas, puxam logo o assunto para os últimos modelos de carros, importados ou não, a serem lançados na praça; e a lengalenga continua por horas a fio, regada a cerveja e tira-gostos. Só que não tenho mais saco para ouvi-los.
Da minha mesa, olhei para ele uma última vez, ali cercado de seus iguais. Fixei bem seus traços, seus gestos, obtendo então um raio-x definitivo. Certamente tinha esposa e filhos menores, os quais ficariam muito melhor sem ele e com o seu espólio, além de um alentado seguro de vida.


III


Pela enésima vez, segui o homem avenida acima. Existem regras para seguir alguém sem ser percebido: usar de cada vez roupas diferentes e que não chamem a atenção; olhar para a pessoa de forma disfarçada e o mínimo necessário, evitando encará-la; manter uma distância moderada, só fazendo a aproximação quando for preciso; se possível, somente no instante extremo, no minuto do ato. Apesar deste último item, fiz quatro aproximações completas, sempre ficando meio por trás e a poucos centímetros do cara. Em nenhuma destas ocasiões havia chegado o momento adequado. Tive sorte de não ser percebido pelo sujeito, que andava sempre distraído com seus próprios interesses e raramente olhando em volta. Se olhava ocasionalmente para alguém, era com um mal disfarçado desprezo e o eterno ar de superioridade que lhe era peculiar.
Fiz a aproximação mais uma vez. Ele estava no meio-fio, no lugar de costume, esperando o sinal da avenida fechar e também a passagem de um ou outro coletivo proveniente da Rua do Hospício. Logo, fiquei bem atrás e a alguns centímetros dele. Havia muita gente no meio-fio, o que era ótimo, e não tinha ninguém na frente dele, o que era melhor ainda. O sinal fechou para a avenida, já estava aberto para a Rua do Hospício, e lá vinha um ônibus iniciando a curva aberta. Exatamente um dos que entram com maior velocidade. Era chegada a hora, eu não tive mais dúvidas.
Quando estive no exército, na minha unidade jogávamos rúgbi, o futebol americano. Éramos uma elite composta principalmente de oficiais e suboficiais, todos muito bem dotados fisicamente. Alguns tinham quase duas vezes o meu tamanho, mas cheguei a ser um dos melhores em pouco tempo. Ao contrário dos americanos, jogávamos o rúgbi sem nenhuma proteção essencial, como capacetes, ombreiras e joelheiras. O resultado disto eram ombros esfolados, braços deslocados, escoriações as mais diversas. Até que certo dia, um dos oficiais sofreu uma séria fratura no crânio. A partir de então, o oficial comandante da unidade proibiu terminantemente a prática do jogo, ameaçando inclusive com severas punições aqueles que desobedecessem tal ordem.

Mas foi durante este período que aprendi um truque através do qual, derruba-se um homem sem utilizar as mãos ou as pernas, de forma que a coisa toda parece um acidente. O truque consiste em abalroar o outro por trás, utilizando para isto o ombro com todo o impulso possível e o antebraço dobrado na altura dos rins do indivíduo. Mesmo que alguém ali me visse no ato, o que era quase impossível em meio a tanta gente, ainda persistiria a impressão de acidente; quem visse pensaria que eu o abalroei porque também já havia sido trombado por outra pessoa atrás de mim, provocando uma reação em cadeia ou efeito dominó.
Esperei décimos de segundo. O ônibus estava a pouco mais de três metros, então entrei no sujeito com o ombro e o antebraço. Ele foi arremessado bem para a frente do coletivo. A última imagem que vi do homem antes do impacto foi ele erguendo a pasta diante de si, como se quisesse barrar, com ela, a enorme massa de metal que avançava inexoravelmente. Ao barulho seco do impacto, seguiu-se o clamor da multidão. Depois, gritos e mais gritos de mulheres; um guinchar rascante horrível de se ouvir, quando o motorista do ônibus pisou instintivamente nos freios; chiado de pneus, cheiro de borracha queimada e um estrondo metálico, quando a lateral traseira do ônibus bateu em um poste sobre a calçada. Mais gritos, apitos de guardas de trânsito, buzinas, correria. E a avenida virou um inferno.
Tratei de sair logo dali, mas antes, olhei para o lado e vi, a alguns metros de mim, uma mulher que me atraiu a atenção. Ela estava paralisada, a boca aberta em um grito surdo, os olhos tão abertos quanto a boca. Prisioneira de um transe histérico, ela olhava fixamente(não conseguia desviar os olhos) para alguma coisa que rolava sob as ferragens debaixo do ônibus. Algo que, fosse coisa ou fosse gente, já estava além de qualquer reengenharia.
Na manhã do outro dia, numa rua distante do local do acidente, comprei um jornal. A notícia falava em pessoas feridas e uma vítima fatal. Dentre os feridos, todos com ferimentos leves, sem nenhuma gravidade. Ainda bem. Quanto à vítima fatal, seguia-se uma identificação pormenorizada do homem. Era alguém que eu conhecia, com certeza.




Francisco Cleóbulo Teixeira